Recentemente foi divulgada uma pesquisa que
mostra que mais da metade de população no Brasil está acima do peso. Se você
passear pelo centro da sua cidade e começar a reparar nas pessoas verá uma
grande quantidade de crianças, adolescentes e adultos obesos. Agora, pegue algumas fotos da infância
dos seus pais ou dos seus avós. Dificilmente haverá algum obeso nessas fotos. O
estranho é que no tempo dos nossos pais não havia produtos light ou diet,
tampouco academias de ginástica. Há algo muito errado com a nossa alimentação.
E isso tem uma história relativamente recente.
Basta
consultarmos um nutricionista, um endocrinologista ou comprarmos uma revista
tipo Boa Forma para tomar contato com a pirâmide alimentar. Até na escola as
crianças estudam a onipresente pirâmide. Basicamente, ela nos diz para comermos
uma maior quantidade de carboidratos (pão, arroz, massa, cereais), localizados
na base, e comer pequenas quantidades de gordura, localizada no topo. No meio,
ficam as frutas, verduras, carnes (magras), ovos, leite.
Mas qual a
origem da pirâmide alimentar? A origem está relacionada a uma ideia que se
transformou em um dogma: a de que a gordura faz mal para a saúde.
Durante a
primeira metade do século XX, os nutricionistas estavam mais preocupados com
desnutrição do que com alimentação excessiva. Depois da Segunda Guerra mundial,
contudo, uma epidemia de doença cardíaca chamou a atenção das autoridades de
saúde nos Estados Unidos. O bioquímico Ancel Keys, da Universidade de
Minnesota, foi um dos primeiros a sugerir que a gordura na dieta poderia ser a
causa da doença cardíaca. Em 1956, Keys iniciou o “Estudo dos Sete Países”, no qual seriam avaliados 130 mil homens de meia idade
na Iugoslávia, Grécia, Itália, Finlândia, Holanda, Japão e Estados Unidos.
O problema
desse estudo é que ele foi concebido para confirmar uma hipótese
pré-estabelecida. Keys considerava que a gordura na dieta causava doença
cardíaca. Então ele escolheu sete países cujos dados confirmariam essa
hipótese. Segundo Gary Taubes, se ele tivesse incluído a França e a Suíça, por
exemplo, sua hipótese cairia por terra. O estudo causou algum impacto, mas havia
controvérsias na comunidade científica. Muitos pesquisadores questionavam os
resultados da pesquisa e discordavam abertamente da tese de que a gordura
causava problemas cardíacos.
Foram os
políticos, todavia, que transformaram essa ideia em um dogma e mudaram a
política nutricional dos Estados Unidos e, consequentemente, do mundo
ocidental. Em 1969 foi criado o Comitê em Nutrição e Necessidades Humanas, nos
EUA, com o objetivo de erradicar a má nutrição.
Em 1977, foi
publicado o Objetivos Dietéticos dos Estados Unidos, documento que regula o que
comemos até hoje. A recomendação principal era de cortar a ingestão de gordura
para 30% do total de calorias consumidas e de gordura saturada para 10%. A
gordura foi comparada ao cigarro e a indústria de carnes e ovos foi acusada de
se comportar como a indústria tabagista, vendendo produtos nocivos somente para
obter lucros. Muitos cientistas e entidades protestaram contra as diretrizes.
Mas, em geral, eram acusados de estarem “trabalhando” para a indústria.
Nos próximos
anos, cerca de meia dúzia de
estudos foram feitos para verificar a hipótese de que a gordura causava doenças
cardíacas. Nenhum desses estudos provou que o baixo consumo de gordura protege
de doenças cardíacas. Um desses estudos, o
Instituto Nacional do Coração Pulmão e Sangue dos Estados Unidos testava o
efeito de uma droga, a colestiramina. Os pesquisadores concluíram que essa
droga baixava o colesterol e diminuía, muito pouco, o número de mortes por
doença cardíaca. Foi nesse ponto que se fixaram: se uma droga que baixa o
colesterol diminui mortes por doença cardíaca, diminuir a ingestão de
colesterol deve também diminuir as mortes por doença cardíacas (ignorando as
diferenças entre os dois processos).
O Instituto
Nacional do Coração Pulmão e Sangue desencadeou uma massiva campanha a favor da
tese. Em março de 1984, a capa da Time mostrava um prato com ovos no lugar de
olhos e bacon no lugar da boca, com a palavra “colesterol” como título. O
pesquisador do Intituto nacional do Coração Pulmão e sangue diz na reportagem: os resultados “indicam fortemente que
quanto menos colesterol e gordura na sua dieta, mas reduz-se o risco de doença
cardíaca”
Assim, estava
formado o consenso. Em 1992, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos
criou, com base nas diretrizes, a nossa conhecida pirâmide alimentar,
recomendando pouca gordura e muito carboidrato. Nas palavras de Taubes “na história da convicção nacional de que a gordura na dieta
é mortal, e a sua evolução de hipótese a dogma, políticos, burocratas, a mídia
e o público desempenharam um papel muito maior do que o dos cientistas e da
ciência”.
As diretrizes
fizeram a felicidade da indústria alimentícia e farmacêutica. O café da manhã
americano tradicional foi trocado por cereais matinais. Foram criados inúmeros
produtos low fat (baixo teor de
gordura), nos quais se utilizam
carboidratos e produtos artificiais (adoçantes, corantes, estabilizantes) para
simular o gosto da gordura. E as estatinas, medicamentos para reduzir o
colesterol, são uma das maiores fontes de lucro da indústria farmacêutica.
Mudança de paradigmas
Em
2007 Gary Taubes publicou Good
Calories, Bad Calories, livro que
iniciou uma revolução nos meios científicos sobre tudo que sabemos sobre nutrição.
Deste os anos 80 muitos cientistas vinham publicando diversos artigos científicos
questionando a validade da pirâmide alimentar, Gary Taubes reuniu milhares
desses artigos no seu livro e deu nova visibilidade ao assunto.
Muitos
livros e reportagens foram escritos depois de 2007 modificando completamente a
abordagem nutricional para a população, mas talvez a mais icônica e definitiva,
que encerra de vez a fase de guerra a gordura seja novamente da revista Time
com a manchete de capa: “Coma Manteiga. Cientistas rotularam a gordura como
inimiga. Por que eles estão errados.”.
Hoje a pirâmide
alimentar é coisa do passado. Alguns desavisados ainda podem estar utilizando
dessa forma equivocada de construção de dietas alimentares.
A recomendação
hoje, segundo a Ministério da Saúde é:
1 – Faça alimentos
in natura ou minimamente processados a
base da sua alimentação;
2 – Utilize
óleo, gordura, sal e açúcar em pequenas
quantidades ao temperar e cozinhar alimentos e criar preparações culinárias;
3 –
Limite o uso de alimentos processados, consumindo-os, em pequenas quantidades,
como ingredientes de preparações culinárias ou como partes de alimentações
baseadas em alimentos in natura ou
minimamente processados.
4 –
Evite alimentos ultraprocessados.
Classificação dos Alimentos
- Minimamente processados: são alimentos in natura, que antes da sua aquisição, forma submetidos a alterações mínimas.
- Óleos, gorduras, sal e açúcar: Produtos extraídos de alimentos in natura e usados para criar preparações culinárias.
- Alimentos Processados: produtos fabricados essencialmente com a adição de sal ou açúcar a um alimento in natura ou minimamente processado.
- Alimentos Ultraprocessados: Produtos cuja fabricação envolve diversas etapas, técnicas de processamento, e ingredientes, muitos deles de uso exclusivamente industrial.
Na verdade, somos resultado de uma evolução de cerca de dois e meio milhões de anos ao longo dos quais nos alimentamos predominantemente de carnes e vegetais. Nosso organismo foi adaptado para isso. Não é necessário ser cientista para perceber que a mudança da dieta para qual fomos evolutivamente adaptados causaria efeitos indesejados . Eles estão nas ruas, nos consultórios médicos, nas escolas, nos programas de televisão.
Olhe novamente a foto dos seus avós. Eles não compravam produtos diet, não corriam no parque e não contavam as calorias que comiam. Então, não comam nada que seus avós não reconhecessem como comida.