terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

A pirâmide alimentar e a nova visão de nutrição


Recentemente foi divulgada uma pesquisa que mostra que mais da metade de população no Brasil está acima do peso. Se você passear pelo centro da sua cidade e começar a reparar nas pessoas verá uma grande quantidade de crianças, adolescentes e adultos obesos. Agora, pegue algumas fotos da infância dos seus pais ou dos seus avós. Dificilmente haverá algum obeso nessas fotos. O estranho é que no tempo dos nossos pais não havia produtos light ou diet, tampouco academias de ginástica. Há algo muito errado com a nossa alimentação. E isso tem uma história relativamente recente.



Basta consultarmos um nutricionista, um endocrinologista ou comprarmos uma revista tipo Boa Forma para tomar contato com a pirâmide alimentar. Até na escola as crianças estudam a onipresente pirâmide. Basicamente, ela nos diz para comermos uma maior quantidade de carboidratos (pão, arroz, massa, cereais), localizados na base, e comer pequenas quantidades de gordura, localizada no topo. No meio, ficam as frutas, verduras, carnes (magras), ovos, leite.
Mas qual a origem da pirâmide alimentar? A origem está relacionada a uma ideia que se transformou em um dogma: a de que a gordura faz mal para a saúde.
Durante a primeira metade do século XX, os nutricionistas estavam mais preocupados com desnutrição do que com alimentação excessiva. Depois da Segunda Guerra mundial, contudo, uma epidemia de doença cardíaca chamou a atenção das autoridades de saúde nos Estados Unidos. O bioquímico Ancel Keys, da Universidade de Minnesota, foi um dos primeiros a sugerir que a gordura na dieta poderia ser a causa da doença cardíaca. Em 1956, Keys iniciou o “Estudo dos Sete Países”, no qual seriam avaliados 130 mil homens de meia idade na Iugoslávia, Grécia, Itália, Finlândia, Holanda, Japão e Estados Unidos.
O problema desse estudo é que ele foi concebido para confirmar uma hipótese pré-estabelecida. Keys considerava que a gordura na dieta causava doença cardíaca. Então ele escolheu sete países cujos dados confirmariam essa hipótese. Segundo Gary Taubes, se ele tivesse incluído a França e a Suíça, por exemplo, sua hipótese cairia por terra. O estudo causou algum impacto, mas havia controvérsias na comunidade científica. Muitos pesquisadores questionavam os resultados da pesquisa e discordavam abertamente da tese de que a gordura causava problemas cardíacos.
Foram os políticos, todavia, que transformaram essa ideia em um dogma e mudaram a política nutricional dos Estados Unidos e, consequentemente, do mundo ocidental. Em 1969 foi criado o Comitê em Nutrição e Necessidades Humanas, nos EUA, com o objetivo de erradicar a má nutrição.
Em 1977, foi publicado o Objetivos Dietéticos dos Estados Unidos, documento que regula o que comemos até hoje. A recomendação principal era de cortar a ingestão de gordura para 30% do total de calorias consumidas e de gordura saturada para 10%. A gordura foi comparada ao cigarro e a indústria de carnes e ovos foi acusada de se comportar como a indústria tabagista, vendendo produtos nocivos somente para obter lucros. Muitos cientistas e entidades protestaram contra as diretrizes. Mas, em geral, eram acusados de estarem “trabalhando” para a indústria.
Nos próximos anos, cerca de meia dúzia de estudos foram feitos para verificar a hipótese de que a gordura causava doenças cardíacas. Nenhum desses estudos provou que o baixo consumo de gordura protege de doenças cardíacas. Um desses estudos, o Instituto Nacional do Coração Pulmão e Sangue dos Estados Unidos testava o efeito de uma droga, a colestiramina. Os pesquisadores concluíram que essa droga baixava o colesterol e diminuía, muito pouco, o número de mortes por doença cardíaca. Foi nesse ponto que se fixaram: se uma droga que baixa o colesterol diminui mortes por doença cardíaca, diminuir a ingestão de colesterol deve também diminuir as mortes por doença cardíacas (ignorando as diferenças entre os dois processos).
O Instituto Nacional do Coração Pulmão e Sangue desencadeou uma massiva campanha a favor da tese. Em março de 1984, a capa da Time mostrava um prato com ovos no lugar de olhos e bacon no lugar da boca, com a palavra “colesterol” como título. O pesquisador do Intituto nacional do Coração Pulmão e sangue diz na reportagem: os resultados “indicam fortemente que quanto menos colesterol e gordura na sua dieta, mas reduz-se o risco de doença cardíaca”



Assim, estava formado o consenso. Em 1992, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos criou, com base nas diretrizes, a nossa conhecida pirâmide alimentar, recomendando pouca gordura e muito carboidrato. Nas palavras de Taubes “na história da convicção nacional de que a gordura na dieta é mortal, e a sua evolução de hipótese a dogma, políticos, burocratas, a mídia e o público desempenharam um papel muito maior do que o dos cientistas e da ciência”.
As diretrizes fizeram a felicidade da indústria alimentícia e farmacêutica. O café da manhã americano tradicional foi trocado por cereais matinais. Foram criados inúmeros produtos low fat (baixo teor de gordura), nos quais se utilizam carboidratos e produtos artificiais (adoçantes, corantes, estabilizantes) para simular o gosto da gordura. E as estatinas, medicamentos para reduzir o colesterol, são uma das maiores fontes de lucro da indústria farmacêutica.


Mudança de paradigmas

Em 2007 Gary Taubes publicou Good Calories, Bad Calories, livro que iniciou uma revolução nos meios científicos sobre tudo que sabemos sobre nutrição. Deste os anos 80 muitos cientistas vinham publicando diversos artigos científicos questionando a validade da pirâmide alimentar, Gary Taubes reuniu milhares desses artigos no seu livro e deu nova visibilidade ao assunto.
Muitos livros e reportagens foram escritos depois de 2007 modificando completamente a abordagem nutricional para a população, mas talvez a mais icônica e definitiva, que encerra de vez a fase de guerra a gordura seja novamente da revista Time com a manchete de capa: “Coma Manteiga. Cientistas rotularam a gordura como inimiga. Por que eles estão errados.”.



Hoje a pirâmide alimentar é coisa do passado. Alguns desavisados ainda podem estar utilizando dessa forma equivocada de construção de dietas alimentares.
A recomendação hoje, segundo a Ministério da Saúde é:
1 – Faça alimentos in natura ou minimamente processados a base da sua alimentação;
2 – Utilize óleo, gordura, sal e açúcar em pequenas quantidades ao temperar e cozinhar alimentos e criar preparações culinárias;
3 – Limite o uso de alimentos processados, consumindo-os, em pequenas quantidades, como ingredientes de preparações culinárias ou como partes de alimentações baseadas em alimentos in natura ou minimamente processados.
4 – Evite alimentos ultraprocessados.

Classificação dos Alimentos

  •  In Natura: obtidos diretamente de plantas ou animais sem que tenham sofrido qualquer alteração
  • Minimamente processados: são alimentos in natura, que antes da sua aquisição, forma submetidos a alterações mínimas.
  • Óleos, gorduras, sal e açúcar: Produtos extraídos de alimentos in natura e usados para criar preparações culinárias.
  • Alimentos Processados: produtos fabricados essencialmente com a adição de sal ou açúcar a um alimento in natura ou minimamente processado.
  • Alimentos Ultraprocessados: Produtos cuja fabricação envolve diversas etapas, técnicas de processamento, e ingredientes, muitos deles de uso exclusivamente industrial.


Na verdade, somos resultado de uma evolução de cerca de dois e meio milhões de anos ao longo dos quais nos alimentamos predominantemente de carnes e vegetais. Nosso organismo foi adaptado para isso. Não é necessário ser cientista para perceber que a mudança da dieta para qual fomos evolutivamente adaptados causaria efeitos indesejados . Eles estão nas ruas, nos consultórios médicos, nas escolas, nos programas de televisão.
Olhe novamente a foto dos seus avós. Eles não compravam produtos diet, não corriam no parque e não contavam as calorias que comiam. Então, não comam nada que seus avós não reconhecessem como comida.

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